sexta-feira, 8 de abril de 2011

Diferente viagem igual

Enfim chegara sexta-feira. Ia para casa. Cheguei naquela cidadezinha apática por volta das 15 horas. Viagem exaustiva dentro de um ônibus fechado. Nenhumazinha janela sequer dentro daquela caixa móvel repugnante. Ar. Ar condicionado. Frio glacial. Mau cheiro medonho de cigarro barato. Sentei-me numa poltrona, sozinha, não queria conversa, não queria companhia. Bastava a minha e meu mau humor covarde daquele momento. Num certo ponto do trajeto, numa modesta porteira, um velhinho. Entra no ônibus sorridente. Segura na mão esquerda uma sacolinha de plástico suja e na direita suas dores. Tinha poucos dentes, mas cada um que restara parecia contar um pouco de sua vida simples. Não pude deixar de notá-lo, algo nele me inebriou. Tinha uma aura tão boa, tão graciosa. Aproximou-se da poltrona que estava ao meu lado, com um andar desengonçado : - " Dá uma beradinha prêu ?" Velhinho simpaticíssimo. Não podia dizer não. Sentou-se com alguma dificuldade. - " Tarrrde moça " - e aquele sorriso novamente. Contava histórias e estórias incessantemente. Ele tinha cheiro de mato, e era tão bom. Em uma parada mais a frente, uma mulher embarca. Também não pude deixar de notá-la. Vulgar. Estúpida. Fétida. Já entrou falando alto e querendo 'botar moral'. Sentou-se na poltrona ao lado e ficava me fitando de soslaio. Brigou com o motorista porque ele não parou no açougue pra ela comprar o 'kidicarne' dela. Não acreditei nisso! Cada palavra que saía de sua boca soava como algo pútrido e insolente. Mas, pessoas assim não merecem nem ser citadas... voltemos a viagem. Cheguei enfim no meu destino final - a cidadezinha apática -. Com tristeza despedi-me do senhor que fez da minha viagem, antes tão exaustiva e angustiante, mais divertida e proveitosa. Desci. O frio já nem me incomodava mais, esqueci, porque estava quente meu coração. Um carro me esperava. Minha mãezinha. Fomos para casa e no trajeto cochilei. Estava cansada. Chegando, joguei minhas malas sobre o puff do quarto, tranquei a porta. Sapato pra um lado, brincos pro outro. Tudo pelos ares. Estava em casa. Meu ex futuro quarto. Futuro ex quarto. Arranquei a colcha cor-de-rose da cama como uma criança arranca o papel de presente no aniversáio. Caminhei rapidamente até a janela. Fechei cada persiana de modo a não deixar nenhuma frestinha de luz. Escuro. Despi-me sem delicadeza alguma. Apalpei meu travesseiro de ervas calmantes como um gato antes de se deitar. Senti o cheiro de amaciante nos lençóis limpos e macios. Deitei. Me cobri. De sonhos. De lembranças. De afetos. Abracei forte meu ursinho, eu estava pronta. Quando acordasse, saberia exatamente o que fazer...

2 comentários:

  1. Metáforas que oferecem uma sinestesia inebriantemente intensa... Um ar do tio Caio e um quê de suas ações da tia Linspector; sempre a arrancar visceralmente minha admiração, cada dia mais, hein?
    Transformando momento do seu dia em poesia e aquecendo o coração para purgar o meu espírito dos males do dia meu, que portanto, não tenho como descrever belamente tal qual você o faz... Parabéns, minha querida, e continue sempre a partilhar suas virtudes, iluminando a todos que te cercam, inebriando a todos que te encontram... Beijos!

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  2. Realmente, vc conssegue transparecer o sentimento em teu coração de uma forma tao linda e sincera ...
    compartilha com todos os momentos dos dias teus,e ao mesmo tempo o esconde através de metáforas só traduzidas por quem conssegue compreender o coração.
    ta de parabens !
    nao imaginava que fosse uma pessoa assim ...

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